As disputas e tensões evidenciadas nas relações entre países, quando nações e territórios produtores ou potenciais produtores em grande escala de energia (petróleo e o gás natural), são resultados associados ao interesse, atenção e exploração das economias centrais. Uma realidade relacionada ao modelo de cartéis e monopólios, que na visão leninista constituem a base da vida econômica sustentada no modelo e sistema vigente, com uma forte presença da influência do imperialismo, a fase superior do capitalismo, no mercado energético.
Um exemplo atual de como esse setor de infraestrutura provoca disputas é a construção do gasoduto “Nord Stream 2” de 1.230 quilômetros, que será uma nova opção de rota de oferta de gás natural à Alemanha com potencial acesso a preços mais competitivos, podendo dobrar a oferta de gás à Europa. O projeto encontra resistência nos Estados Unidos, em razão da sua estratégia de exportar GNL para os países europeus, e levou os estadunidenses a promoverem sanções ao gasoduto, que paralisaram sua construção por mais de um ano. Por volta de metade do gás da Europa é importado da Rússia, fruto do desenvolvimento de novas rotas de abastecimento concebidas, no entanto o insumo provém também em escala importante do norte (Noruega), assim como da Argélia na África do Norte.
Em 2014, a Rússia havia anunciado a construção de gasoduto de transporte, com mais de três mil quilômetros, capacidade de 39 bilhões de metros cúbicos por ano e US$ 55 bilhões em investimentos conectando a Sibéria ao Norte da China. No mesmo período, firmou parceria de US$ 40 bilhões com a África do Sul na construção de oito reatores para usinas nucleares e com a Índia através de 28 acordos com metas anuais de US$ 30 bilhões de comércio e de US$ 50 bilhões em investimentos que contemplam a produção energética, naval, mineral e de defesa. Em 2017, com mais nove grandes exportadores de petróleo, criou um bloco de influência junto à OPEP e assinou acordo com a Arábia Saudita no campo energético e da tecnologia para criação de fundos comuns de investimento. Com influência sobre a região do Donbass na Ucrânia se aproximou de grandes reservas de carvão de alta qualidade da Europa, um dos maiores exportadores dessa parte do território.
Em 2022, em razão do conflito armado com Ucrânia, a OTAN impôs a retirada da Rússia do sistema de pagamentos internacional inviabilizando a única solução de curto prazo para atendimento da demanda energética da Europa que os Estados Unidos classificam como um aumento da dependência europeia ao gás russo (LEÃO, 2022). Nessa disputa imperialista, é a primeira vez que um lado apagaria o outro do sistema de pagamentos internacional, uma saída adotada baseada na antiga ideia de totalitarismo. Como exemplo e conforme dados da Redes Energéticas Nacionais (REN), Portugal é abastecido com o GNL que entra no Porto de Sines saltou na importação do gás russo de 3,2% em 2019 para 14,6% em 2021 (PRADO, 2022), reforçando a importância da Rússia no abastecimento da Europa também por gasoduto de transporte com origem no país e entrada na Europa pela Alemanha.
Com o conflito, a Alemanha passa a encarar os gasodutos como projetos de caráter mais político do que econômico, mesmo que os empreendimentos sempre se mostraram populares e formariam uma opção de construção de um acordo comercial que, na visão alemã, ligaria a Rússia a um sistema multilateral regrado. Em 2011, a inauguração do gasoduto “Nord Stream 1” foi fruto de alguns acordos primados em 2009 com investidores russos, que não se materializam, para preservação de empregos em estaleiros do Nordeste do país e o resgate financeiro a uma montadora de carros e uma fabricante de microchips, revelando que o pano de fundo sempre foi a cooperação energética entre os países.
A guerra na Ucrânia está associada ao avanço estadunidense à Europa Ocidental em conjunto com a OTAN e à recomposição territorial da Rússia ao Leste Europeu, com as questões energéticas colocadas como centrais nesse movimento. Em 2014, a disputa da Crimeia contemplava o gasoduto que liga a Rússia à Turquia; no ano de 2016, a crise nas áreas separatistas de Nagorno-Karabakh na Armênia, que faz fronteira com o Azerbaijão e a Geórgia, envolviam dois oleodutos que transportam petróleo e gás do oeste do Azerbaijão, uma rota energética sob influência russa que poderia gerar maior independência para a Europa; e, em 2022, a neutralidade em relação à votação contra a invasão russa à Ucrânia de países como China, Índia e África do Sul revela um resultado geopolítico que é fruto também de importantes acordos energéticos.
Este episódio, repete uma realidade que apontada nada década de 1980 por Ignacio Rangel: “a relutância dos países em se engajarem mais a fundo em operações interacionistas, no seio do bloco socialista”. Naquela época, o gasoduto que ligaria a Sibéria Ocidental à França (não materializado), de quase cinco mil quilômetros, seria construído com investimento do Ocidente, mesmo sob risco de uma guerra destruir a nova infraestrutura e, principalmente, enfrentado as contrariedades estadunidenses à nova infraestutura também nesse período. A França foi, em 2020, a terceira importadora de GNL da Europa (17,07% do total Europeu e 4,02% do movimento total mundial) e os movimentos por meio de gasodutos, incluíram, no mesmo ano, relações comerciais com a Noruega, Holanda e Rússia. O país não produz gás natural.
Para Rangel, o gasoduto não representaria apenas o desenvolvimento de uma relação de dependência energética da OTAN com a Sibéria, que seria, na prática, apenas parcial e distribuiria melhor os risco considerando a segurança de abastecimento da Europa. Tratava-se de um operação anti-guerra em meio à Guerra Fria e de uma opção contrária às formas socialistas na divisão internacional do trabalho.
Por fim, destaca-se que para Lenin a guerra é a política levada a cabo por outros meios. Rangel aperfeiçoa esse conceito como a política sendo a economia levada a cabo por outros meios. As necessidades sociais, em ciclos de crises, são transferidas ao campo político que regride pelo campo econômico ou progride pela via militar como vemos hoje na Ucrânia.
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